Você sente a dor do outro?

Você conhece a dor do outro?

Sabe onde o calo dói, onde o sapato aperta? Sabe onde o bicho pega? 

Manja aquele tiozinho ali sentado quieto no metrô? Sabe das dores dele? E da mocinha de unhas pintadas no caixa do supermercado? Do Leonardo DiCaprio, que seja? Será que a vida dele é uma manga doce? Será que ele não dá uma dentada no caroço de vez em quando? 

Nem um fiapo fica no dente, Leo? Á tomanocuvai.

Hoje eu li um texto de um cara que eu gosto pra caramba e de vez em quando gosto menos pra caramba ao mesmo tempo. Um colunista que foi ameaçado de morte num certo país por um certo grupo de pessoas que não gostavam daquilo que ele escrevia, e nessa coisa toda ele acabou de mula picada pedindo exílio em outro país e lá se encontra. 

Nada nesse contexto vem ao caso aqui. Nem o país, nem as pessoas e nem o cara. Simplesmente foi assim que aconteceu e de repente o carinha da favela que queria só fortalecer a galerinha da comunidade dele ganhou ouvidos e aí incomodou gente graúda, e quando gente pequena incomoda gente graúda, gente pequena toma no cu. Quem pode mais chora menos. Para o nosso azar, o do grupo de pessoas que choram mais. E, acredite, isso aí acontece todo dia bem debaixo desse nosso nariz descedente de europeu. 

E se você não sabe porque você é rico e eles são pobres, vai estudar a história além do que a escola te ensina que você vai entender rápido e simples como uma porção gratuita de terra fértil grátis. Enfim, vamos adiante.

Eu gosto do que ele escreve. Por isso leio sempre. Ácido, direto, dedo na ferida mesmo. Mas ao mesmo tempo acho que ele perde um pouco a mão nessa coisa do branco opressor e do preto oprimido. Confesso que às vezes me sinto ofendido quando ele concreta a raiva nas palavras.

Só que eu sou o cara branco, no caso. Descendente de europeu, da terra fértil grátis. 

Então quem sou eu pra falar sobre racismo? Ele, o colunista, não sabe do desprezo que eu tenho por pessoas preconceituosas. Então não dá pra ele dizer que é tudo fiadascabra, menos o Dani, o Zezinho e o Luizinho. O pau dele come pra todo lado.

Mas talvez a luta tenha que ser assim mesmo, hiperbólica e eu que entenda que o xingamento não é pra mim, exatamente. Talvez tenha que ser assim pra fazer um puta barulho, do qual só vai entrar um pouco de ruído nos ouvidos mocos dos cabeças ocas. E de ruído em ruído, alguma coisa acontece.

A preta Liniker canta aqui no meu fone que são dois homens e nada mais. Pra mim, a mensagem acaba aí e tá tudo certo. Mas tem gente que precisa que essas coisas entrem cabeça oca adentro na marretada mesmo.

É lugar de fala que diz, não é? Pois é, esse não é o meu.

Mas eu sinto a parte de dor que minha pouca consciência consegue compreender sobre o racismo. Afinal, nunca tomei borrachada e segurança não me segue no mercado.

Só que nem era disso que eu queria falar. Eu divago mesmo, foi mal aê. 

Hoje eu li um texto desse colunista sobre depressão. Sobre a vontade de abraçar uma árvore num minuto, e no minuto seguinte amarrar uma corda e se enforcar no galho ao lado.

Cara, acho que deve ser preciso ser macho pra caralho pra chegar lá e acabar com a coisa toda. Se machucar até a alma sair do corpo. Se é que tem essa coisa de alma, eu nem sei mais se acredito. Tem que ser um cara fodão pra se machucar a ponto do corpo não suportar. 

Talvez eu deva perguntar pras cicatrizes no meu pulso como é essa dor.

O sol, que todo mundo gosta e enche o rabo da gente de vitamina D, bateu nas minhas feridas e fez questão de deixar cicatrizes. Só pra me lembrar que um dia eu também fraquejei.

E aí eu li aquele texto e comecei a sentir a dor dele. E a cada palavra que eu lia, mais a dor dele eu sentia. 

"Quem gosta de democracia é jovem.
Adulto gosta é de vingança."

Tava no texto dele. E duvido que um único pedacinho dos seu espirito santo amém não ter concordado com isso.

Enquanto issso, ele me contava que o puto que matou o George Floyd morreu ontem na cadeia, com umas facadas no bucho

Bem feito praquele feladaputa.

Opa, mas cadê a empatia, Daniel? Não era pra sentir a dor dele também? Não. Ele é só mais um feladaputa e a partir de hoje temos um suprimento extra de oxigênio no mundo porque aquele lixo não vai mais desperdiçar nosso O2. Um pingo de férias pra alguma planta que ia ter que fazer uma fotossíntese extra.

Será que quando eu fiquei doente de cirrose e dei aquela pisadinha no lado de lá da vida teve alguém que pensou "Bem feito praquele feladaputa"?

Provavelmente. Inclusive, essa experiência toda me ensinou a diferenciar quem é feladaputa de quem não é.

Porque se for pra ser pouco, melhor não ser. Se não é pra ser intenso, se não é pra sentir, se não é pra ser do jeito que o diabo gosta... na minha vida nem entra mais. O nome disso é carapaça. Igual à da barata, que passa seu Detefon na torrada e ri na sua cara enquanto saboreia o café da manhã.

Gente meia boca não sente a dor do outro. Não sentiu a minha, não sentiu a do meu caro colunista, não sentiu a do George Floyd, e também não sente a dor daquele pai que rouba um pote de margarina porque os filhos tem fome, e leva um cacete dos seguranças. E não sente dor alguma, e ainda acha mais é que vagabundo tem mais é que sifuder.

Às vezes a dor da gente começa a ficar difícil. Nessa hora, idéias como a reencarnação começam a parecer mais confortáveis na mente quando ela tá doente.

E pra ficar com a mente doente, amigo.. é muito mais fácil do que você imagina.

Só que aí você se lembra que o padre te disse que suicida vai pro inferno, que no centro espírita te ensinaram que vc vai ficar no limbo coberto de bosta até a boca, e você segue em frente. Tudo balela isso aí. Niguém foi lá e voltou pra contar pra onde você vai.

Porque se eu fizer um estrogonofe de chumbinho agora e depois ficar na graminha acariciando tigre, eu vou pra cozinha e aperto START no microondas agorinha. Porque essa marmita aí tá pronta faz tempo, só esperando o dia da ceia.

Só que o que ninguém te conta é que alguém tem que cortar aquela grama toda e limpar o cocô do tigre. E não sou eu que vou cometer o erro de comer chumbinho à milanesa e passar o resto da eternidade cortando aquela porra daquela grama.

"A vida não foi um morango comigo. Então, se eu estou por um fio, não é porque eu sou o problema. Muitas vezes, pessoas fizeram e fazem coisas. E a vida é assim."

Concordo contigo, Anderson. -> já deia uma dica

Aí é que tá o grande questionamento que eu faço enquanto perco completamente a linha de pensamento nesse texto de pouco sentido. 

A mente fica doente e acariciar tigre incagável na grama que não cresce começa a parecer uma idéia legal. Só que às vezes tem um feladaputa - ou vários - que fez uma forcinha legal pra você a ficar doente da cabeça. Ou ruim do pé. Ou o contrário, fodasse. Mas o fato é que as pessoas vão fazendo cocô na sua cabeça até você ficar louco. E tem um lugar especial no inferno pra cada puto desses aí. 

Se eu não acredito mais em Deus, não acredito no inferno também, confere? Sei lá, ainda estou definindo quem existe e quem não existe no meu ateísmo, ok? O ateísmo é meu e nele até Deus e o diabo podem existir aqui nessa terra do sol. Do jeito que eu quiser. São Jorge tem uma oração legal. Desde que o curintia não ganhe nada nunca.

Então agora a gente nem tá mais falando em sentir a dor do outro, porque a maioria tá pocossifudendo pra sua dor. O lance agora é não ferrar com a saúde mental do coleguinha. É não fazer o outro sentir dor,

Certeza que eu faço alguém sentir dor. Olha isso tudo que eu escrevi. Tenho certeza que um monte de gente que passou pela minha vida engoliu a seco uma linha aqui, que seja.

Não há balões de gás hélio em forma de corações aqui, beibe.

Manhê, o Tonico me bateu. Roubou o saco de pipoca, o pirulito e o picolé. E ainda pisou no meu pé.

Criança gulosa dos caray

O Tonico não sente a dor da criança gulosa, senta a porrada e tá nem aí. O Tonico é um feladaputa.

As cicatrizes no meu pulso têm me contado todos os dias que o lance é ficar longe de qualquer Tonico. 

E continuar sentindo as dores dos outros. Do meu amigo colunista, do George Floyd, da menina do caixa do mercado e do velhinho no metrô. 

Mas, sobretudo, sentir as MINHAS dores. Passei muito tempo passando por cima delas pro bem dos outros. 

A dor ensina. Aprender é uma opção que demorei a entender. Hoje, tonico não pisa no meu pé. Nemfodendo.

Qualquer andarilho solitário pode ser uma pessoa incrível e você aí todo metido a pombo mirando o ânus na cabeça dele. Cabeça esta que pode estar doente e chorar, ou muito melhor do que a sua e, fedendo como um mendigo, defeca pra sua nobre existência cheia de MBAs e com o mindset em dia.

É isso. Filosofia barata escrita de qualquer jeito, diretamente da minha cabeça insone numa madrugada de domingo, e olha que eu só terminei esse texto na terça.

Neste exato momento, às 02:35, James Marshall Hendrix tá cantando aqui no meu fone que tá ouvindo o trem dele chegando. 

Mas é só uma música, eu ainda não vou com ele nesse trem aí. 

Daqui a pouco estarei tentando dar uma ducha na minha saúde mental, entrando num campo de futebol com um bando de estranhos pra jogar uma bolinha. Chamei o Leo DiCaprio. Vamos ver se ele aparece por lá. Só avisei pra não vir de navio que já deu merda uma vez.

Cicatrizes no pulso podem ser uma metáfora. Ou não. O primeiro que me vir de camiseta vai se entregar, e as apostas já estão rolando aqui pra ver quem será :-)

E vida que segue. Amigos recentes que eu jamais imaginava conhecer me ensinaram de uma maneira incrível uma frase que encaixa aqui direitinho: 

Te desejo 24 horas de sobriedade e serenidade. Só por hoje.

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Leiam o Anderson França na Coluna de Terça.

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