Vesícula News - Episódio final

 Ela se foi. Envergonhada, chutada, defenestrada. Ok, foi dado o fim a vesicula, a rídicula. Quero aproveitar pra fazer algumas observaçoes, e bora a elas.

Se você fez como eu, chutou o seu convenio e acha que vai morrer na fila do SUS, a minha historia diz que você nao vai. Nao morri, pelo contrário. Esse texto é um agradecimento. Mas nao uma defesa. O governo tem muito a melhorar no SUS. Eu sei que dei sorte.

Quando tive a minha última consulta, no dia 8 de fevereiro, o Dr. Xavier me pediu o telefone de contato, e afirmou que o pessoal do Pedreira entraria em contato pra agendar um dia pra cirurgia. Voltei pra casa revoltado, chateado, decepcionado. Afinal, se eu ia até o hospital e nada acontecia, imagina se o hospital iria até mim. Mas nao, no dia seguinte, meu telefone toca e a mocinha se apresenta como funcuinária do Pedreira. Pensei em coisas horríveis, do tipo "Amigo, você esqueceu o seu rim aqui no último exame", mas nao.. ela me conta que abriu uma vaga pra cirurgia no dia seguinte. No dia seguinte. Ou seja, minha espera nao durou nem 24hs. 

Quarta feira, 4hs da manha eu chamo um Uber aqui em casa. O motorista estava animadíssimo. Pessoal, quem está animado as 4 da manha?? Nao sei ele, mas eu estava com o furico na mao. Furico na mao, no uber animado, cheguei ao Pedreira. Mais furico na mao e vamos em frente.

Dica: troquem o nome desse hospital, pessoal. Assusta um pouco saber que vc entrará num lugar chamado Pedreira, será anestesiado e voltará pra casa com um órgao a menos. Fica a reflexao, mas o bairro lá nem é a Pedreira, tá? Isso passa ao largo do fato de eu cortar o cabelo num lugar chamado Borracharia. Isso leva a fantasia e imaginaçao a niveis quase críticos.

Espera, espera e mais espera até que chega um enfermeiro com a cara do Felipe Melo, trazendo um avental e chamando pelo meu nome no meio de uma sala com um monte de gente. Sem receio, ele me apontou um banheiro e falou: "Tira tudo e coloca isso aqui". Delicado como parafuso de trator. Tirei toda a roupa, ajustei a carroceria no avental e bola pra frente. Errei, mas já falamos disso.

Peladao, com um avental que serviria a uma pessoa com a metade do meu tamanho. Pegando elevador com outras pessoas, passeando de cadeira de rodas com perna aberta e sacao ao vento, enfim. Ok, só manter as pernas fechadas e fui levado a um corredor, onde estavam as pessoas que iriam ser operadas. Sim, mas os idosos e as crianças tinham acompanhantes. Ou seja, eu tinha uma senhora de um lado acompanhando um velhinho e uma mocinha, mae de uma garotinha do outro. De novo: isso tudo peladao, tentando esconder as bolas. Chegou minha vez.

A equipe de anestesia me chama, acompanho a enfermeira e me vejo fechado numa sala. Quando me contam que coloquei o avental ao contrário. Basicamente é isso: numa sala com 2 médicos, umas 5 enfermeiras e mais algumas pessoas que nao sei o que sao, Daniel fica completamente pelado pra colocar o avental do lado certo. Engole o choro, rapaz. 

Deitei numa maca, e uma menina que nao passava dos 18 anos me dá oxigênio. Nao sei porque, mas a menina tinha cara de assustada. Será que tou tao feioso pelado? Nao deu tempo de pensar. Um dos médicos injetou algo na minha veia e só deu tempo de piscar 2 vezes. Na terceira, estava dormindo. Nocaute, pique Mike Tyson. Tanto que tomei 10 pontos e nem senti nada.

Senti sim, para meu azar. Lembro do anestesista ter falado "Beleza, ele está de fralda". Isso foi dilacerante para a minha moral. Doutores, nao digam na presença de uma pessoa dopada que ela está de fraldas, ok?

Horas depois, acordei numa sala com várias pessoas, aguardando o fim do efeito da anestesia. A enfermeira dizia "Respira, Daniel". Realmente, foi dificil respirar. Nao sei por quanto tempo, mas levei um tempao pra sair da anestesia. Umas 5 ou 6 horas. Aqui entra a fralda, novamente. Quando comecei a recobrar a consciencia, ainda doidao, pensei na frase da fralda e achei que tinha cagado a sala de cirurgia. Como ainda estava meio doidao, nao tinha como saber o que era certo e o que nao. Achei que tinha cagado a porra toda. Fiquei com um misto de vergonha e cagaço.    

A enfermeira era uma fanfarrona, fez uma dezena de graça. Depois que eu nao respirei como ela queria, a mocinha colocou ao lado da minha maca, a maca do Zé. O Zé tinha passado por uma cirurgia da qual escapou da morte. O maranhense estava tao feliz, mas tao feliz.. que nao parou enquanto nao me acordou pra contar isso. Hospital público é isso aí, amigo. Pode ser um ladrao, pode ser um louco. E pode ser o Zé Pereira, do Maranhao. Com uma animaçao capaz de fazer vc acordar da anestesia. 

Com a incumbencia de contar pra esposa dele que estava vivo, saí da sala para um quarto. A missao era procurar a Martinha Pereira e dizer a ela que o Zé tava vivo, e que ela deveria preparar um feijao com "espinha" de porco. Missao cumprida, e saí convidado a experimentar a iguaria. Martinha dá seu jeito pq eu vou. Boa gente demais esse Maranhense.

Cheguei no quarto e tive uma surpresa boa. Um quarto limpo, bonito, bem equipado. Muito melhor do que muito hospital particular. Um quarto duplo, e eu ganhei um companheiro. A parte chata foi abrir o tal avental e descobrir que eu estava de fraldas. Gastei algumas horas até me mover até o banheiro e descobrir que nada havia acontecido. Ou seja, nao cageui tudo. Tirei a fralda limpa, joguei fora, coloquei a cueca limpa da mochila novamente o avental. Saímos ilesos desse vexame. Depois a enfermeira Patricia me contou que todos os pacientes ficavam de fraldas. Pessoal do Pedreira, avisa isso pra gente. Evita doideira na hora de passar a anestesia.

O parceiro de quarto foi o Seu Manuel, um velhinho de 81 anos. Estava com a filha, cagando de medo da cirurgia. Que cirurgia? A mesma que eu havia feito. Em 15 minutos de conversa, chegamos ambos a conclusao de que a cirurgia é simples e vc sai novinho. Realmente, o gahho é enorme, e saí do hospital no dia seguinte 100%. Ficamos amigos, eu e o Seu Manuel.

Seu Manuel se revelou um velhinho bem humorado, e falamos muita merda, animamos os médicos e enfermeiras que nos acordaram hora após hora. 

Bom, tive alta logo na manha seguinte, Aryadne veio me buscar e voltei pra casa.

Gostaria muito de agradecer o tratamento de todos no Hospital Municipal da Pedreira, homenagear a qualidade e responsabilidade de TODOS os profissionais que ciudaram de mim. O SUS nao é, e está longe de ser o açougue que a mídia vende. Respeito incondicional a todos aqueles profissionais, que suam sangue num dia a dia que só um médico pode explicar.

Amanha tenho minha ultima consulta com o Professor Xavier. Agora ele nao precisa mais fazer nenhuma mágica, isso ele já fez. A missao amanha é torcer pra que algum X-Men tenha cruzado o caminho do Seu Manuel, e do meu amigo Maranhense, o Zé Pereira. Vou procurar por eles amanha, mas se nao encontrar.. que Deus os reservem o melhor. 

Missao cumprida. Tchau vesísula, sua ridícula.

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