O motim na nau capitânea
Pirata que era gente de atitude. Subia todo mundo naqueles navios mequetrefes, um bando de marmanjo barbudo marrento, e ficava lá no meio do mar esperando pra roubar a carga de ouro que o português roubava do índio em troca de espelho.
Pirata tinha regra, tinha discplina, tinha democracia. Perdeu o olho na batalha, pois ganha-se num punhado a mais de vinténs por isso. Não lavou o convés direito? Pois que vá pra casa do caráleo - e antes que você pense que eu não ganhei educação nesta vida bandida, a casa do caráleo é aquela cestinha no topo do mastro mais alto, onde um cabra fica lá com a luneta noite e dia balangando em busca de qualquer coisa nesse marzão. Quase sempre o eleito pra ficar ali, ele e a luneta, era um pirata castigado por preguiça ou qualquer outro delito leve.
Mas a piratada às vezes achava que tinha que virar o landau pra direita enquanto o capitão queria virar à esquerda. E quando isso acontecia e passava do baixo nível de tolerância da rapazeada a bordo, rolava o motim.
Basicamente, um quebra pau entre um monte de gente ruim com um único objetivo: destituir o capitão, tomar a boca do cenoura e conquistar 24 territórios.
Só que o capitão não era capitão à toa. 100% Jardim Irene, irmão. Tem que ser malandro pra ser capita. E quando rolava o motim, o capitão tinha que sacar aquela carta da manga, abafar a parada logo, mandar uma meia dúzia pros tubarões e voltar a encher o rabo de rum na sua santa paz.
Pois hoje eu descobri, finalmente, o que aconteceu comigo no último mês. Motim explica.
Já expliquei como funciona a rejeição, né? Aquela coisa da lasca no dedo, que o corpo expulsa, bla bla bla.
Pois foi isso. O corpo se rebelou contra o figão que o colega me emprestou, e decidiu botar. o dito cujo pra fora.
Vou te dar a mesma explicação que minha médica acabou de me dar, ok? Aproveitando que mais esta aula de medicina na prática está fresquinha na cabeça, vamos aos fatos:
As células do fígado tem um elemento em volta dela que a protege. O sistema imunológico, quando detecta esse elemento, parte pra cima e se alimenta dele.
Por isso tomamos tacrolimus todos os dias regular e religiosamente. Pra manter o sistema imunológico sempre num estado meio bocó, aí ele não tem força pra detonar esse elemento que protege a célula.
Acontece que algumas dessas células do fígado, às vezes, se rompem, liberando à sua volta um monte desse elemento. Que é comida para o sistema imunológico.
Já foi num rio jogar migalha de pão pros peixes? Você vê a água calminha, joga um tequinho de pão e de repente tem a liquidação do Guanabara bem debaixo dos seus pés, não é?
É a mesma coisa. Uma célula rompe, libera o rango pra geral e aí pirata fica louco.
Não tem perna de pau, olho de vidro e nem cara de mau que segure a moçada quando tem comida livre.
Só que eles não contavam com a astúcia do Capitão Figão.
Véio de guerra, afinal, quando eu transplantei, o fígado já tinha 74 anos de idade, o fígado conseguiu reverter o motim, as células pararam de se romper, sistema imunológico ficou pianinho, tudo voltou ao seu lugar.
Agora é monitorar. Nos próximos meses, o risco de rejeição fica um pouquinho mais alto, pois os ânimos ainda estão acirrados aqui na nau capitânea. Consulta de 15 em 15 dias, alimentação mais saudável (adeus, Ronald McDonald) e muita água.
Queen Anne's Revenge. Era o nome do navio do famoso pirata Barba Negra. Que morreu de encefalopatia devido à sifilis que pegou andando com moças pouco sérias. Só a título de curiosidade :-)
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